sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Caminhar
(Daniel Oliveira)



Dia cinzento aquele...
Os outros dias respiráveis não lhe condiziam ao seu estado de abafamento.
Quem mais poderia me notar na rua calma e fúnebre? Parecia até que eu ia a algum enterro, quase toda negrume a minha vestimenta, inclusive a cueca (palavra feia esta, sempre achei...). Preta, ela, com um piu-piu amarelo ao centro. Graças ser intimidade minha a cueca. Meus cabelos, como de costume, em desalinho. Havia suor pelo meu rosto severo, pensativo.
Capenga. Ia eu caminhando capenga. Tentei um assovio. Inútil tentar assoviar. Inútil. Havia suor, muito. Um ar de descontentamento com o andar das coisas, das pedras no meio do caminho. Caminho torto aquele, grelhado de espinhos, de dores e horrores. Contudo, havia ainda, incrivelmente, um sorriso nos meus lábios já tomados pela afta.
De por último, algumas coisas saíram bem, outras más. Mas continuar caminhando talvez fosse o remédio eficaz, a panacéia das multidões. Nem dormir mudava o estado de desordem que malucava o pensamento delirante. Dormir só piorava as coisas, mudava tudo em negativo (pesadelos...). E tudo, pois, se metamorfoseava forçosamente num processo de redescoberta dolorosa. Caminhar, então, esquentava o sangue, ocupava o olhar de outras visões. Visões menos difíceis, menos reveladoras. Visões apenas, sem mistificação nenhuma.
O céu, dali então, parecia chorar...
Ou chorava eu, sozinho pela rua tortuosa?
A rua estreita... E eu tão ossudo e cabisbaixa a completava com suspiros idiotas. Também você, sozinho... (eu vi! eu vi!). As coisas poderiam ser diferentes, então. Tudo poderia ser igual à normalidade dos dias, dos anos de uma família completa. Os insetos sem máscaras, os cães, as cobras, as onças pintadas. Todos eles sem o espírito do súbito e traiçoeiro ataque (ausência completa da ameaça enganosa). O amor homem-animal. O ar, enfim, sem fumaça... Normalidade isso.

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