segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008


A terra em chamas
(Daniel Oliveira)

Um céu enegrecido se apresentava naquela manhã, com muitas nuvens e um sol ralo. Era um sinal ruim para os mais velhos. Para os outros, especuladores, apenas um sinal de chuva vitalmente esperada. E há muito que não chovia ali, em Torres. Há muito sobre a terra não caía um pingo de água, e seus andantes que por este chão cambaleiam sentem a necessidade de uma geral limpeza.
Ar estranho o deste dia, é o que penso. Absorto olho para além da bela serra azul que se exibe a meus olhos ainda intacta. Uma nuvem negra se assentava sobre seu cume, parecendo um ninho. Enquanto olho magnânimo, imagino seriamente sobre algumas coisas. Lourdes é sim uma mulher que conta muitas estrelas, a minha mulher que me persegue às vezes, que às vezes eu a persigo. Vejo agora que Lourdes está sentada na cadeira de balanço, que revira os olhos dizendo palavras sem nexo, fazendo círculos com o dedo indicador, como a descrever a trajetória das nuvens obscuras que se ajuntavam sobre a serra. Noto esses trejeitos de Lourdes e pouco me comovo. Penso que já estou acostumado, penso muito, sabe, na vida. Penso até demais na vida. Tem horas que deveria mesmo era ficar falando tempotodo a todomundo que estou por morrer, que estou por desistir. Mas me questionariam acerca da sobrevivência de Lourdes “mas e Lourdes, seu Jarvales, mas e Lourdes?!” Olho para ela e extraio alguma força, arranco dela algo seiva, arranco carne também. Por que teria de ser assim? Por que? As nuvens sobre a serra sobremaneira me preocupavam. Sim, porque nunca pousaram sobre ela, nunca a contaminaram com seu atmosférico ar nevoento. Lourdes me encarava e voltava os olhos para a serra, continuava a gesticular. Era essa a forma de me dizer que estava também preocupada, que teríamos de rezar como nunca uns pais-nossos. Realmente, as nuvens que se sobrepunham à nossa terra tinham a aparência de mau-agouro. Manifestavam-se como o prenúncio de um acontecimento que certamente nos atingiria em cheio a crista. Esta era a sensação de meu pai Tião ao vislumbrar nuvem negra que se aproximava da serra tão belamente azul. Pai Tião percebia nas formas das nuvens o aviso de que deveríamos ter cautela, sensibilidade. Sentir a presença do mau para que ele não nos surpreendesse desarmados e entregues à dor era o grito que até hoje se manifesta em nossas veias.
O tempo aquele era espinhoso, e a ordem normal dos acontecimentos se subverteram ao Deus-dará. Vigiar por nossas vidas enquanto tudo parecia vir contra nossa calma era a ordem que necessariamente se incitava a nossos corações mutantes. Vigiar o meu corpo quando o meu corpo rápido se deteriorava representava-se já algo difícil. Agora, imaginar colocar o meu corpo frágil frente a qualquer bala cruel do revoltoso contra o corpo inocente e débil de Lourdes, ah, isso era por demais paixão desmedida a um ser vivente apenas, que gesticulava e murmurava umas palavras incompreensíveis, mas que de alguma forma suscitavam sentido.
Mas até que gosto de ter Lourdes a meu lado, mesmo só na aparência. Às vezes me pego a pensar se realmente ela me ama, se deveras nota que estou aqui para ajudá-la contra o sarcasmo da gente estúpida da cidade, da gente bruta dos arredores daqui de Serra Azul. Sei que alimento cá para mim a crença de que Lourdes vai se libertar, que ainda vai me dizer, conscientemente, que a vida vale a pena sim, que sonhar ainda é possível. Mas aí penso, e as palavras parecem sair pelos poros, que o sentido de tudo é apenas continuar vivendo e respirando, alimentando o corpo de coisa qualquer. Estou embebido de sentimentos tolos, sei. Mas sou eu quem digo isso. Fato é que mil e uma pessoas pensam assim como eu. Pensam às vezes até pior. Quando não se matam, entregam os pontos. Não faço isso, não. De maneira nenhuma. Necessito ver o mundo assim, este emaranhado de nuvens negras, porque senão corro o risco de ficar sentado aqui nesta varanda e achar que tudo está ganho, que a terra está boa e viva. Ainda bem que tenho duas mãos, duas pernas e uma cabeça que ainda matuta. De Lourdes se desfalca a cabeça, que inevitavelmente compromete todo o resto. Entretanto, como disse, a presença dela faz meus braços e minhas pernas terem forças, faz o meu peito se avançar contra a labuta diária do campo. Poderia ser tudo pior. Poderia, sim. Isso penso dia e noite. Isso é que me sustenta a plantar e colher as vinhas do campo. Se não fossem aquelas nuvens negras a se assentarem sobre a bela serra azul de nossos sonhos, fato é que o dia de hoje seria bem melhor, mais agradável, e eu não estaria aqui por horas pensando estas gelatinas.

1 comentários:

Daniel Oliveira disse...

dddddddddddddddd

Postar um comentário

Amigo leitor, deixe aqui um comentário. Responderei na medida do possível.