sábado, 8 de setembro de 2007

Besouro
(Daniel Oliveira)

Um ponto negro no meio do asfalto. Um remexer de pernas quase insano. São? Sim, mas na proporção de seu tempo de vida. Quase uma fúria aquele desvencilhar da quentura do asfalto em chamas, uma dor tremenda que penetra as camadas purulentas de uma carcaça quebrantada... Frágil ser, ignóbil ser. Veio à vida faz uns minutos, uma eternidade. Bom que não aprendeu ainda o que é sorte, o que é azar. O asfalto arde sob sua costas, ferve por dentro seu plasma derretido, seus órgãos. Agonia de um besouro lutando para sobreviver só mais um dia, um minuto. Nasceu só, e agora se vê só. Também não imagina sequer o que é amigo. Quem já viu um besouro em estima pela mãe ou pelo filho? São eles seres solitários. Odiados e repulsivos. Dó dá ver este ser roçando a cacunda em superfícies hostis. Desvirá-lo traz, sim, alguma satisfação à alma. Parece sorrir aquele inseto inofensivo quando sente que respira. Vida besta esta, vida breve. Vida de inseto, vida de besouro. Às vezes me sinto um. Quantas vezes, nesta vida, esbravejei contra o mundo? Quantas vezes me encontrei incólume diante do inimigo voraz? Quantas vezes ralei as costas de tanto cair contra os cascalhos da minha rua-infância? Mudos gritos lancei para os céus, clamando à Deus. Sufoco pedir... sufoco. Estou arranhando as costas, anjo. Decúbito, gemo sobre este quente asfalto, até que, sobre mim consigo vislumbrar negra nuvem, e daí, num ímpeto, o sentimento da enxurrada vindo a meu encontro, arrastando-me até o bueiro infernal do esquecimento, até o vazio insignificante da existência animal de que falam alguns homens!

0 comentários:

Postar um comentário

Amigo leitor, deixe aqui um comentário. Responderei na medida do possível.